um plano inclinado sensações sabores ajoelhados
sinusóides de emoções hipérboles excessos abusos
ângulos a tender para o infinito e teoremas obtusos
movimentos de corpos fricções e sonhos mareados
ondas opostos de costas elipses poemas de mel
curvas sórdidas rectas obscenas delírios medidos
altiva dependência do desejo delíquio dos sentidos
a inércia que se segue um mas tem que ser camel
funções três dimensões eixos gráficos hipnóticos
de regresso aos limites axiomas doces derivadas
integrar as mãos os lábios e os olhos neuróticos
a correlação o comprimento palavras e coordenadas
um sorriso e os valores esperados nos deltas eróticos
o inverso e o simétrico também verdades imaculadas.
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Hoje, saí demasiado tarde do trabalho
(já não me lembro porque lá fiquei tanto tempo).
Na companhia de uma primeira cerveja, olho a noite
(o fogo respira as entranhas da cidade,
dois cães disputam entre si os últimos restos,
dois restos verbalizam ódios no último semáforo livre)
e viajo para o único sítio onde a poesia me acontece,
para o abismo absurdo, para onde mora o medo de cimento
de um dia descobrir que já não sei quem sou.
Peço uma segunda cerveja. Lá fora, a noite, fria,
(cá dentro, o aquecimento e os olhares de mulheres desconhecidas,
o chilrear dos copos e a simpatia fingida a fumar por trás do balcão)
prossegue rapidamente sem mim, mas ninguém se importa.
Volto a mergulhar no sangue e no meu sangue.
Para que me convençam que sou o que digo ser,
faço das palavras minhas escravas, chicoteio-as,
obrigo-as a dizerem apenas o que quero ouvir.
Um dia, sei-o, serão elas a verga de salgueiro
que outros usarão para me rasgar a pele,
enquanto me perguntam: valeu a pena mentires-te?
(Mas, entretanto, gosto desta mesa de madeira mal encerada
e de observar os semáforos pela janela meio embaciada.)
Quando aqui venho, nunca estou sozinho,
há sempre um ou outro cadáver existencialista,
a lembrar-me que agora os valores são outros
e que estou completamente fora de moda.
Mas eu não quero estar na moda, quero apenas compreender(-me).
É isso que não deves fazer, procurar respostas era para o meu tempo.
Mas tu estás morto, eu estou aqui e sufoco(-me).
(Excita-me esta mulher que, de costas para mim,
espreita por cima do ombro, enquanto afasta o cabelo de ouro,
num gesto demasiado lento para ser verdadeiro.)